segunda-feira, 23 de março de 2009

O MELHOR DO NORTE-RIOGRANDENSE PAPA JERIMUM

Potiguar ou potiguara é o nome de uma grande nação tupi que habitava a região litorânea do que hoje são os estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Em tupi quer dizer "comedor de camarão" e se tornou a denominação de quem nasce no estado norte-riograndense.

“Traga a vasilhaaaaaaaa. É o picolé caseiro de Caicó na sua rua, na sua porta.” A frase é repetida a exaustão pelos bairros da Natal e sua lembrança já faz o potiguar abrir um sorriso. Nada mais é do que um picolé que leva o nome de uma cidade distante a 280 quilômetros da Capital que é famosa não só por seu picolé, mas muito, muito mais pela carne de sol, o queijo e o rico artesanato. Coisa assim, só potiguar entende. O mesmo ocorre quando deixamos a língua portuguesa de lado e em seu lugar, adotamos a linguagem papa jerimum. Aí danou-se. É um tal de caritó, pitôco, incherida, fulêro, arrudear, invocado... Mas com jeitinho, a gente vai explicando: “Cabra posudo é gabola, otário é abigobel, o chato é galado e puxa saco, xeleléu. Tudo que é bom é massa, é arretado, é primeira. Tudo que é ruim é peba, mas também pode ser reiêra. Botão de som é pitôco, mulher solteira é caritó, a galinha é incherida e lança perfume é loló. Pernilongo aqui é muriçoca, chicote se chama açoite. Tá (sic) com raiva, tá invocado, quem entra sem licença, imbioca e sinal de espanto é vote.” Esse dialeto praticado na informalidade é um dos muitos costumes de quem vive no Rio Grande do Norte.

Potiguar nascido em Natal sorri e faz coro quando escuta os acordes da música de Pedrinho Mendes, Linda Baby, e concorda com o que diz a canção “Essa é uma terra de um deus mar, de um deus mar que vive para o sol...” Mas potiguar também se cala para ouvir a nossa música mais tradicional, Praieira “Praieira dos meus amores, encanto do meu olhar...” Composta por Othoniel Menezes e Eduardo Medeiros, a canção fala sobre um grupo de pescadores natalenses que resolveu partir a remo, em 1922, para o Rio de Janeiro, a capital do país a época.

Por aqui no mês de junho, todo mundo dança quadrilha e não é das organizadas, é aquela gerada em meio à diversão, no improviso. Junta-se um grupinho e lá estão todos em meio a “alavantús”, “anariês” e “balances”. Difícil por essas ruas é encontrar um natalense com mais de vinte anos que não nasceu na Maternidade Januário Cicco ou ser apresentado a alguém que nunca assistiu a apresentação do Pastoril, torcendo pelo cordão azul ou pelo “encarnado” (vermelho).

É uma gente religiosa, de tradição católica (especialmente em dias de festa de padroeira) que faz sinal da cruz ao passar por igrejas, vai às missas de cura, ora pro santo de devoção e na infância aprendeu a rezar “com Deus me deito, com Deus me levanto.”

Sob a Pedra do Rosário, em meio ao Rio Potengi e o mar, o natalense encontrou o pôr-do-sol mais lindo do mundo. Conhecido pela hospitalidade, o potiguar é acolhedor e sempre pergunta ao turista de primeira viagem: “– Já conheceu Ponta Negra? E o Morro do Careca?” Capaz de absorver culturas dos povos de todos os cantos que passam por aqui, é um povo feliz que adora comer camarão e no fim da tarde anda no calçadão da praia de Ponta Negra e toma uma água de coco. Nos finais de semana vai à praia, muda-se com a família para a fazenda, passeia nos shoppings, aporta na Redinha para saborear ginga com tapioca, leva os filhos aos parques, corre em vaquejada, lancha na Pittsburg (famosa sanduicheria de Natal), vai a um show e pega um cineminha sempre reclamando da pouca opção dos filmes.

Potiguar dorme em cama e em rede. Fica balançando nas varandas pra lá e pra cá e é um povo que consegue transformar espaços de sua rotina em ponto turístico. Um exemplo disso é a Ponte Newton Navarro. Observando um pouco, vemos os mesmos carros passando de um lado para o outro, com seus motoristas contemplando a paisagem ao redor.

Quando busca o melhor preço, o potiguar não titubeia e foge dos shoppings. Nessas ocasiões, lá vai ele bater perna pra cima e pra baixo, nos centros comerciais dos bairros do Alecrim e de Cidade Alta. O que se diz é que de tudo um muito se encontra por ali. O negócio é ter paciência e pesquisar...

As praças dos bairros e as cadeiras nas calçadas já foram substituídas há muito pelas praças de alimentação e em cada esquina da cidade prepare-se para encontrar um supermercado. Tem aqueles de cadeia nacional, internacional, mas natalense que se preze, pesquisa e é fiel ao supermercado que herdou a preferência dos seus pais. Entretanto, as feiras de rua ainda têm lugar, dia e público garantido. De domingo a domingo vemos senhoras carregando suas amplas sacolas e homens pechinchando. Rolete de cana, tapioca de coco, cuscuz de milho, cajá, mangaba, pitomba, cioba, cavala, preá, celular... se é produto que se vende ou troca, nas feiras de Gramoré a Lagoa Nova, você vai encontrar.

O forró é uma paixão no Nordeste e por esses lados não poderia ser diferente. O ritmo musical encanta muitos natalenses, mas mesmo com o sucesso do forró eletrônico a preferência entre o povo é o tradicional pé de serra – aquele onde um trio composto por zabumba, triângulo e sanfona entoa canções que falam do sertão, de amores e saudades. Todo final de semana e até durante a semana tem um lugar pra se dançar. Mas atenção! Passar a parceira por baixo da perna e fazer outros malabarismos na pista de dança não voga nos salões locais. O jeitinho de dançar potiguar, é o popular rela-buxo, dois passinhos pra lá, dois pra cá, com damas e cavalheiros bailando a base do universal cheek to cheek.

Na cidade pode até existir mais de dois times de futebol, mas pelas conversas no meio da rua e nas discussões acaloradas depois de um domingo no Frasqueirão ou no Machadão, logo se percebe que o coração do potiguar ou é alvinegro ou alvirrubro. Por aqui, cedo se aprende a torcer pelo ABC ou pelo América e se o computador já invadiu as casas, ainda “sobra” espaço para o elástico, a bola de gude que aqui chamamos biloca e as brincadeiras de polícia-ladrão, queimada, bandeirinha e esconde-esconde.

No final do ano, os natalenses se reúnem pra assistir ao Espetáculo do Auto do Natal e quando potiguar se encontra, seja lá em qual lugar for, é aquela festa. Para os íntimos, um abraço apertado, já com os mais formais, a regra aqui é trocar dois beijinhos.

Todo potiguar que deixa Natal para tentar a sorte em cidades e países distantes, volta. Quem vem de longe e conhece, retorna.





Artigo publicado na íntegra na Revista AJUFE de Cultura. N°6, nov. 08
Texto: Maísa Carvalho