terça-feira, 27 de janeiro de 2009

LUÍS DA CÂMARA CASCUDO, O HISTORIADOR DO BRASIL


Natal, século XX. Época em que a Internet e o correio eletrônico não se faziam presentes na vida das pessoas. A casa de número 377, na Avenida Junqueira Aires, em Natal, recebia correspondências freqüentemente. Para seu ilustre morador, Luís da Câmara Cascudo, as cartas eram suporte de pesquisa e fonte de dados para suas obras. Por meio dessas, o intercâmbio de informações e o registro do cotidiano construíram vínculos de amizade para toda a vida.

“Grandes” como Carlos Drummond de Andrade, Luís Gonzaga, Walt Disney, Monteiro Lobato, Juscelino Kubitschek, Henrique Castriciano, Chateaubriand, Jorge Amando, José Lins do Rego, Roquette Pinto, Érico Veríssimo e Mário de Andrade, trocaram com o famoso potiguar saberes e idéias; ensinaram e aprenderam mutuamente.

Nascido aos 30 de dezembro de 1898 na Rua das Virgens, cidade do Natal, a capital do Rio Grande do Norte, Cascudo foi o filho único de Francisco Justino de Oliveira Cascudo e Anna Maria da Câmara Cascudo. Do pai, escreveu Cascudo, subiu lentamente na vida e fora rico para os padrões da época, possuindo uma chácara no bairro do Tirol, que chamavam ‘principado’. “Nossa casa no Tirol hospedou a Família Imperial e Fabião das Queimadas, cantador que fora escravo”, lembrava Cascudo.

O menino aspirou à Medicina, mas quis o destino que ele se formasse bacharel em direito e nunca deixou de escrever. Até pouco antes de sua morte, em 30 de julho de 1986, Cascudo trocou correspondências. Ao longo de seus 87 anos, esse “provinciano incurável” reuniu 15 mil cartas que atualmente se encontram no acervo da família. “Ele tratou de fazer sua obra gigantesca, composta por mais de 150 livros, enviando cartas para conhecidos e até desconhecidos de todo o mundo”, revela sua filha, Anna Maria Cascudo. A fim de viabilizar as informações, Cascudo realizava inquéritos diretos e escrevia cartas aos amigos, usando-as sempre como fontes de pesquisa. Ao escrever seus livros e artigos, não hesitava em recorrer aos companheiros. Por meio de suas “vítimas indefesas”, como costumava apelidar os amigos do Brasil e do exterior encarregados de lhe fornecer informações, a obra “cascudiana” ganhou forma, sotaque e cores.

Uma obra composta por uma quantidade dantesca de livros escritos durante anos de dedicação à busca das origens da cultura popular brasileira. Tido por muitos, como o folclorista mais minucioso e abrangente, são dele títulos como: Alma Patrícia; Dicionário do Folclore Brasileiro; Literatura Oral; Histórias que o Tempo Leva; Vaqueiros e Cantadores; Prelúdio da Cachaça; Rede de Dormir; Jangada; Locuções Tradicionais do Brasil; Superstições no Brasil; Geografia dos Mitos Brasileiros; Meleagro: Catimbó e Magia Branca no Brasil; Geografia do Brasil Holandês; História da Alimentação no Brasil e Sociologia da Açúcar.

Em cada livro, ensaio, revela um misto de Brasil e mundo. Nunca pensou em deixar sua terra, Natal, e para o ex-presidente da República José Sarney, Cascudo foi o grande guardião da nossa brasilidade. “Brasileiro no hábito alimentar, brasileiro no morar, brasileiro ao deitar na rede nordestina, ao contar ‘causos’ de todo o Brasil, ao registrar nossas lendas, nosso folclore.”

Jornalista, etnólogo, antropólogo, historiador, folclorista, não escondia a predileção em ser chamado de professor. Em texto escrito por ele próprio, conta: “Queria saber a história de todas as cousas do campo e da cidade. Convivências dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço.”

Essa sede de saber, essa busca por respostas e principalmente, a sua afetuosidade humana, fizeram dele um homem querido e admirado. Para representar a cultura brasileira em um dos parques temáticos da Flórida, Walt Disney pediu para Cascudo informações sobre o Brasil e em retribuição, lhe enviou um exemplar do livro Alice no País das Maravilhas. Já Monteiro Lobato, pediu para que seu amigo lhe mandasse características do Saci-Pererê, para compor o personagem. Tamanha era a intimidade entre eles, que Monteiro Lobato certa vez lhe escreveu: “- Minha carta não tem assunto nenhum, é só uma carta para saber como você está.”

Hoje, a trajetória do Folclorista pode ser observada no Memorial Câmara Cascudo e o museu da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, leva seu nome.





Artigo publicado na íntegra na Revista AJUFE de Cultura. N°6, nov. 08
Texto: Maísa Carvalho
Colaboração: Juliana Rocha e Júlia Medeiros
Foto: Juliana Rocha

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