quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

OSWALDO LAMARTINE DE FARIA, O SERTANEJO


“Cada vivente tem o seu Sertão. Para uns são as terras além do horizonte e para outros, o quintal perdido da infância”. A frase, de Oswaldo Lamartine, revela a grandeza desse que é considerado o maior etnógrafo-contador das histórias do sertão que já passou pelo Rio Grande do Norte.

Na Natal de 15 de novembro de 1919, abriu os olhos para o mundo. Mas a sua raiz secular fora fincada no sertão, nos chãos de pedra do Seridó, assegura Vicente Serejo¹. No final da década de 40, quando Oswaldo começou a publicar seus escritos, José Lins do Rego, surpreso com o estilo do jovem, falou: “... muito teria que aprender com o jovem ensaísta riograndense do norte”. Sobre ele, muitos outros também comentaram. Câmara Cascudo lhe era íntimo, chamava-o por ‘Oswaldinho’ ou ‘sobrinho honoris causa’ e certa vez escreveu: “esculpido em pau-ferro, ágil por dentro e por fora”.

Para Rachel de Queiroz, Oswaldo que havia cooperado na adaptação para TV do “Memorial de Maria Moura”, era o “anjo magro” que no Brasil, mais entendia de Sertão e de Nordeste. E Gilberto Freyre, acertadamente observou: “em torno de assuntos nordestinos se tornaram mestres Luís da Câmara Cascudo e Oswaldo Lamartine”.

Amante da literatura sertaneja, sua introdução ao mundo do saber se deu com a professora Belém Câmara. A fase da adolescência e juventude passou-a nos Colégio Pedro II, no Ginásio do Recife e no Instituto La-Fayette, no Rio de Janeiro. Como um chamado da terra, ingressou na Escola Superior de Agricultura de Lavras, onde em 1940 tornou-se técnico agrícola. Casou, teve filhos e netos. Foi professor da Escola Doméstica de Natal, da Escola Técnica de Jundiaí e até pracinha durante a Segunda Guerra Mundial. Junto com a década de 50 veio à mudança para o Rio de Janeiro e lá, passou a ser funcionário do Banco do Nordeste do Brasil em 1955, permanecendo até se aposentar em 1979. Depois de 38 anos no Rio, refugiou-se na Fazenda Acauã, município de Riachuelo, com seu cachorro “Parrudo”. Lá, morou até novembro de 2005 quando então passou a habitar sua cidade natal, Natal.

Empossado em 2001 como membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – na cadeira 12, que outrora fora ocupada por seu pai e por Veríssimo de Melo, e cujo patrono era Amaro Cavalcanti –, Oswaldo foi, dois anos depois, agraciado com o título de Pesquisador Emérito, pela Fundação Joaquim Nabuco (PE). Em 16 de novembro de 2005, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) lhe concedeu o título de Doutor Honoris Causa.

Filho do ex-governador Juvenal Lamartine de Faria e de Silvina Bezerra de Faria, o Doutor Honoris Causa de Acauã por algumas vezes, assim se apresentou: “sou sobejo da seca de 19, o último de uma ninhada de dez”.

Certa vez, esse apreciador de armas e homem organizado, tomou os passarinhos que o amigo Monsenhor Expedito criava e libertou a todos eles. Nunca se interessou por política e costumava plantar árvores em homenagem aos amigos. A respeito das amizades, discorreu: “A balança do julgamento dos amigos costuma ser manca”.

Enquanto homem das letras, tudo quanto pôde, ele aprendeu e apreendeu na Escola do Sertão - um mundo que outrora espiava, pisava e não via. Sobre o solo sertanejo, Oswaldo conheceu Bernardo Cintura e Moça Caetana, os nomes pelos quais são chamados, respectivamente a fome e a morte. “O que botei no papel foram apenas momentos do dia-a-dia do nosso sertanejo. Convivi com alguns deles debaixo das mesmas telhas”. Ao longo de 87 anos, edificou uma vida de histórias alicerçadas nos Alpendres d’Acauã, nos Ferros de Ribeiras, nos Arreios do vaqueiro, na Faca de ponta, nas Abelhas do Seridó, na Pescaria de açudes e no Sertão do nunca mais surrupiado pela “terraplanagem cultural da eletricidade, da eletrônica, das estradas, dos meios de comunicação”.

Apesar das mudanças, em Oswaldo, o Sertão é onipresente. “O Sertão é mais que uma região fisiográfica. Além da terra, das plantas, dos bichos e do bicho-homem – tem o seu viver, os seus cheiros, cores e ruídos. O cheiro da água que nos desertos também cheira. O da terra molhada, do curral, da lenha queimada e de cada flor. O belo-horrível-cinzento dos chãos esturricados, o ‘arrepio-verde’ da babugem, a explosão em ouro das craibreiras em flor. Os ruídos dos ventos, das goteiras, do armador das redes, o balido das ovelhas, o canto do galo, o estalo do chicote dos matutos, o ganido dos cachorros em noite de lua, os tetéus, o dueto das casacas-de-couro, os gritos do socó a martelar silêncios, os aboios, o bater dos chocalhos, o mugido do gado e tantos outros que ferem nas ouças da saudade”, conta.

Em 2007, quando a lua reinava em meio às estrelas na noite de Natal, Oswaldo Lamartine de Faria bateu com os olhos nas paredes do céu.



Matéria publicada na íntegra na Revista AJUFE de Cultura. N°6, nov. 08
Texto: Maísa Carvalho
Foto: Giovanni Sérgio

Saiba mais: ¹GOMES, Vicente Alberto Serejo. Oswaldo Lamartine de Faria: o doutor de Acauã. Preá: revista de cultura. Natal, n15, p.12-16, nov./dez. 2005. http://cidadedosreis.blogspot.com/2007_12_01_archive.html
http://poemia.wordpress.com/2008/05/15/o-lorde-da-acaua-oswaldo-lamartine-de-faria/
http://canais.digi.com.br/noticias/2007/03/30/morre_o_sertanista_oswaldo_lamartine

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