segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

ZÉ DIAS

"Eu sou agoniada, mas ele parece que vai morrer de infarto a cada dez minutos"
Khrystal sobre Zé Dias

Ele sonhava em fazer um projeto que contemplasse a música brasileira e como ocorre nos sonhos, havia mais de um caminho a seguir. Renegar suas aspirações ao mundo das idéias não era uma possibilidade, então ele começou a agir e hoje, quem curte a música produzida no Rio Grande do Norte, conhece Zé Dias. Um sujeito grande, habitualmente de bermuda, camiseta, um copo, um cigarro na mão.

Na manhã de nossa entrevista, a mesa estava posta com os segredos para se começar bem o dia: queijo, gravador, suco, listinha de tópicos, café, frutas e disposição. Daí, era só torcer para o i-Pod funcionar corretamente.

O primeiro assunto? A atividade de produtor cultural. Isto porque de domingo a domingo, ele promove o Praia Shopping Musical. Organizar um show é fichinha, mas a história não era bem essa quando há treze anos, às dezoito horas e trinta minutos de uma terça-feira, Natal conhecia o Projeto Seis e Meia. A novidade não era exclusividade da platéia, Zé também estava fazendo descobertas. “Eu nunca tinha feito um show na minha vida. Eu descobri a alegria de trabalhar com 36 anos de idade, a fazer o que eu gosto.”

A estréia foi com Pedro Mendes e Nico Resende e com o tempo, o Projeto foi crescendo, crescendo... o Projeto foi tendo prejuízo, prejuízo... Até que um dia, Fagner tocou no Seis e Meia a custo zero. “Com o dinheiro que nós apuramos em Fagner, pagamos todas as contas e ganhamos um álibi.” Depois desse dia, quando o produtor, desconhecido, ligava para um artista nacional, ele sempre tomava a precaução de esclarecer “– Olhe, Fagner veio.” Com isso, o palco e o público do TAM só tiveram a agradecer. Chico César. Zeca Baleiro. Antônio Nóbrega. Mestre Ambrósio. Rita Ribeiro. Demônios da Garoa. Jamelão e outros tantos lotavam duas sessões. Pode-se dizer que esse foi o período do encontro de Zé Dias com a produção cultural.

Caminhos

Em 1999 partiu em busca do novo. De lá pra cá, produziu o Natal em Canto – que ocorria no América – e conheceu Lane Cardoso, com quem produziu dois discos: um com músicas de Elino Julião e outro com canções carnavalescas. Trabalhou com Rejane Luna e por essa época, chegou à sua vida, Khrystal. Depois disso, foi movimentar as noites da Zona Sul. Em dois anos no Sea Way, foram oitocentos shows. No Praia Shopping, onde está há quase um ano e meio, já são seiscentos.

Quem estiver de bobeira e passar por aquelas bandas pode assistir a apresentação do ouro e da prata musical potiguar. “Eu não preciso buscar lá fora mais ninguém para cantar aqui. Eu acho a produção daqui muito, mas muito boa e acima da média. Mas também tem muita gente ruim, tem uns que eu faço por conveniência da profissão. Agora tem uns muito, muito especiais.” Gente como Pedrinho Mendes. “Eu queria que Pedrinho se convencesse que é o melhor artista desse Estado.”

Emotivo, na hora que o show começa Zé Dias é público, “o produtor vai pro inferno.” O apreço pela música só é menor que a paixão pelo Futebol. É um aficionado “Sou louco por Romário e odeio Dunga e Zagalo”. Em suas referências, mais futebol. Quando pergunto se ele nasceu em Natal, me responde que sim, ali no Alecrim, “pertinho de Marinho Chagas” e continua... Na infância, para além do ambiente da rua, dos amigos, do colégio, “Alberi foi a primeira pessoa que me fez feliz”. Isso porque quando menino, Zé Dias assistiu a uma partida em que lá estava o jogador pernambucano. Apesar de toda fascinação, foi praticando outra atividade em que ele se destacou. Por duas vezes foi goleiro da seleção brasileira de handebol.

Família

Se hoje denomina-se produtor, para as más línguas, é um reprodutor. Tem cinco filhos e nunca conseguiu reunir, de uma só vez, todos eles. Consciente, me diz ser um pai ausente e repousa a esperança no futuro “eu acho que vou ser um bom avô, mas como pai eu sou muito ruim. Eles são melhores do que eu.” Eles são: Vítor; Artur; André; Júlia e Jackson e em cada um, Zé consegue vislumbrar uma fagulha de semelhança, ainda que não se lembre das datas de seus aniversários.

Entre um gole de café, a mordida no pão e o furto, descarado, do abacaxi que repousava no meu prato, vai contando que planeja lançar dois livros. Um abordará sua vida de produtor e os muitos causos; o outro será uma pequena introdução ao carnaval brasileiro. Farão sucesso? Não se sabe. Mas Zé espera que os amigos comprem, a fim de que ele possa realizar um desejo. “Meu sonho de consumo é passar trinta dias em Porto Mirim ou em Jacumã com Khrystal e meus filhos todos.”

Nesse embalo, Zé Dias segue a me apresentar Zé Dias – um homem que tem horror a atender telefone e não curte navegar por mundos virtuais, além da fronteira do e-mail. Alguém que usufrui seu tempo descompromissado em casa, escutando música e detesta que lhe peçam cortesia ou cigarro. “Eu não fumo maconha porque eu viveria brigando com quem me pedisse, porque maconha é o cigarro mais democrático que eu conheço”.

Já na estrada da vida há 48 anos, houve acertos e erros também... Especialmente devido aos excessos, ao uísque. “Eu cometi muitos erros na minha vida porque era alcoólatra.” Hoje, passado. Tempo distante da rotina de quem às sete da manhã, está na rua em busca do pão para manter a música de cada dia. Nessa vida de produtor, ele me diz, “não existe essa palavra ‘férias’. E a palavra mais forte é liseu.”

Decepções? Também ocorrem no meio. A mais recente ele fez questão de me falar, um pouco chateado, ainda. Não entendeu o porquê de Khrystal – pelo volume de trabalho em 2007 e elogios de crítica – não ter ganhado o prêmio de música do Diário de Natal. “O prêmio está se tornando um prêmio de instrumentistas. E a comissão, eu acho que poderia ver mais o trabalho de cantores. É uma comissão julgadora de músicos instrumentais. Porque só ganha instrumentista?”

Entre as amizades e inimizades, uma fã especial: Dona Francisca. A mãe vive preocupada até hoje e diz que a profissão do filho não tem futuro. “E ela tem razão”, adverte ele. Quando a música chegou a sua vida, lá pelos anos 60, 70, ela vinha pela voz materna; pedia passagem pelas mãos do pai, que lhe presenteava com discos – um gesto de aparente contradição.

Falar de família traz lembranças. O ar escapa, os olhos marejam, a voz embarga. “Se ele (José Dias, o pai) tivesse vivo, mesmo sem escutar ele iria a todos os shows. Ele me apoiou muito! O cara ser surdo e comprar disco!? Isso não existe. Como é que ele sabia que disco era bom?”

Explosivo. Apaixonado. José Dias Júnior segue com a certeza de que, enquanto nos movemos, nada é definitivo. Na trilha sonora, qualquer canção de Tom Jobim, executada por João Gilberto. Para a posteridade, a herança dos filhos é coisa certa. “Eles herdarão a história de um cara que trabalhou para a cultura desse Estado. E pra mim isso basta.”



Matéria publicada na íntegra na revista Brouhaha. N° 12, maio/jun.08
Texto: Maísa Carvalho

Nenhum comentário: